Alimentado pelo leite derramado
Alimentando-se dos restos pelo chão, há grandes chances de encontrar o
sentido dos passos. É um contato íntimo com os caminhos percorridos, sentindo o
gosto dos erros e das nuances que, pelos passantes, fazem-se brotar.
O gosto do desastre é a lição do dia a dia. Aquela gota de exigência que
faz aprender, levando o sujeito a valorizar a retórica certa, que antes, na sua
estreia, não havia sido feito para se perder. Ali do chão, pois, enxergam-se os
descompassos, em meio aos balanços das trilhas que inutilmente insistem em ser,
transformando em doce o azedo que já é sacro, que já foi morto e sepultado por
um desacerto ao nascer.
Sem pestanejar, chorar devia ser pecado. O alimento já devia o caráter
conceber, contendo nutrientes de persuasão, mel e tabaco, que pelo vício e pelo
cansaço, fizesse o homem com as perdas aprender.
O leite que umedece e meleca a passagem é a arrogância do mal insistindo
permanecer. Sob a tutela dos mimos e estragos, talvez se não fosse tão sensível
e fraco, dele o homem preferiria se abastecer. Sem consternações ou hipocrisia
frente ao derrame, amando a arte de a beleza desconceber. Criando no chão o retrato
do acaso, renegando o velho e chato indumento de o melhor sempre ter que ser.
Nascer chorando é a força uterina, que, antenada, já pertence ao bebê.
Sabe que, aos poucos, a tutela e a linhaça, que conforta e que abraça, vão com
a ingenuidade desaparecer. Sendo assim, a solução mais certa talvez seria
transformar as pelugens em cascas duras sempre a enrijecer. Tendo acesso apenas
ao acaso, ao que, por um rascunho não descartado, ali continua a sobreviver.
Somos todos experiências derramadas no chão das tentativas. Contagiadas
pelas imprevisões certeiras de possibilidades. Há, pois, quem esteja apto a
qualquer papel, ou, ainda, quem acabe vencendo só pelo desgaste.
Sem lamentações aos estragos profetizados ou aos profetas profanos,
junto com os pedaços dos dias vão se constituindo as peças da história,
colocadas lado a lado por uma desordem compassada. Uma perfuração no seio das
inquietações, por onde escorre o alarido das inconformidades, apontando o
material que já está pelo chão subjugado. Enaltecendo a perda ao invés do novo
experimento. Beber o leite do chão e não do copo.
Trata-se, pois, de uma questão ponteira de ponto de vista, que assinala,
de acordo com o ritmar dos olhos, o ponto de partida. Saindo do erro para o acerto
ou lamentando o acerto que virou erro. No final das contas, é só treinar o
paladar. O azedo pode fazer da vida a experiência mais doce já concebida.
Thiane Ávila.
2 comentários
Que texto mais lindo!!!!!
ResponderExcluirO blog está lindo dms, meus parabéns!!
Beijão.
http://www.garotadolivro.com/
Lindo demais! Você escreve muito bem, adorei essa pegada poética e ao mesmo tempo reflexiva. Amei!!!! Super beijo www.janelasingular.com.br
ResponderExcluir